Há uma Ilha dos Amores que não vem nos Lusíadas. Ao contrário desse oásis de terra no Oceano, com que Camões entendeu eternizar os feitos portugueses nos Descobrimentos, esta está bem ao nosso alcance. E para quem morar perto do Porto, nem uma hora de distância o separa daqui.
A Ilha dos Amores do Rio Douro
Quem vê a intersecção do Rio Paiva com o Rio Douro notará de imediato uma pequena mancha no meio do azul da água.
Parece uma insólita bossa de terra, que se levanta por poucos metros de altitude – não mais de 30 -, e decorada com o arvoredo que lá conseguiu sobreviver a tamanha solidão. Curiosamente, neste mesmo ponto, separam-se três distritos – o do Porto, a norte, o de Viseu, a sudeste, e o de Aveiro, a sudoeste. Por uma nesga, a Ilha dos Amores fará parte do segundo.
Note-se que nem sempre se tratou de uma ilha no sentido mais restrito. Foi o desnivelamento das águas na construção da Barragem de Crestuma-Lever que a transformaram irremediavelmente em terra cercada por água. Porque antes, nos meses secos, conseguíamos seguir até ela por uma pequena língua de terra.
Mesmo quando essa nesga terrena não existia, esperava-se até ao areal vir quase à tona e somavam-se umas tábuas de madeira, traçando-se um tapete lenhoso para certos casais irem para lá namorar – daí uma explicação para o nome Ilha dos Amores, poiso onde hoje muitos casamentos locais seguem para tirar as fotos da praxe.
Atualmente, para lá se ir, só com canoa ou com a ajuda de algum barqueiro que ali ande, com acesso feito pela Praia do Castelo, na margem esquerda do Rio Douro. Acaba por lhe dar um outro toque – é a sedução de todos os sítios que não são facilmente alcançáveis.
A Ilha do Castelo
O outro nome pelo qual a Ilha dos Amores se tornou conhecida é Ilha do Castelo. Isto por lá ter existido um, que por sua vez forçou nomenclatura na terra que lhe é próxima: Castelo de Paiva.
De facto, quem for à letra das coisas, apercebe-se que em Castelo de Paiva não há qualquer castelo, nem sequer em ruínas. Pois a razão é que tal fortaleza está fora da povoação, na junção do Paiva com o Douro, numa posição muito similar à que o Castelo de Almourol tem no Rio Tejo.
Agora, sobra pouco dele. Passado quase um milénio da sua construção, há apenas esboços de paredes amuralhadas a dizer que sim, que ele uma vez lá esteve, centrado em volta de uma singular torre, juntamente com uma pequena ermida.
Esta seria dedicada a São Pedro – nem a propósito um santo tão reivindicado nas zonas fluviais, o santo pescador, cujo um dos atributos é, nem mais, nem menos, do que uma barca.
Breve Historial da Ilha
Neolítico / Calcolítico (5.000 – 3.000 a.C.)
Primeiros habitantes da ilha
Época Romana (Séculos I – IV d.C.)
A ilha é local privilegiado de travessia do Douro.
Construções erguidas na base do Outeiro.
1107
Primeira referência documental ao Porto de Paiva, aqui situado.
1180
Cheia memorável que submergiu a ilha.
Gravação de uma inscrição hoje perdida.
Século XII
Construção de uma torre no ponto mais alto da ilha, rodeada por uma cerca, e acessível apenas por escadas de madeira.
Século XIII
D. Afonso III, rei de Portugal, manda (re)erguer o porto de Paiva. A ilha é, pelo menos desde então, propriedade régia.
Século XV
Construção da Ermida de São Pedro
1421
D. João I fez doação da ilha e da Ermida a um nobre, Álvaro Gonçalves da Maia.
A ilha passa, desde então, para a posse de particulares. A torre medieval já havia desaparecido.
Século XVIII
Realiza-se a Feira de São Miguel, no areal da ilha.
Nesta altura, ainda eram visíveis as ruínas da Ermida de São Pedro.
1998
Redescoberta da Ermida de São Pedro, através de escavações arqueológicas.
Lenda da Ilha dos Amores
Não poderia deixar de haver conversa popular sobre o que aconteceu por aqui. Diz o povo duriense que a Ilha dos Amores foi o palco de mais uma tragédia do lendário português. A saber.
Um lavrador, de tenra idade, apaixonou-se por uma mulher abastada, menina da fidalguia. Nem sequer passava por coisa rara de acontecer, mas aqui a novidade é que ela também se apaixonou por ele.
Os tempos eram outros, tempos onde nunca seria aceite que uma mulher de sangue azul pudesse desposar um plebeu, ainda por cima camponês. As tentativas de encontros sucediam-se, sempre mal vistos pelo pai da fidalga, até serem proibidos de vez, deixando ambos a chorar a saudade que sentiam um pelo outro.
Passados poucos meses, a mão da bela e rica mulher ficou entregue a um aristocrata. Não seria um casamento de amor, mas sim de conveniência, como era habitual na altura.
O camponês, roído de ciúmes, e tendo presente a ameaça de nunca mais poder ver a sua amada assim que se entregasse a outra pessoa, decidiu tomar medidas extremas: ao avistar o fidalgo a passear junto ao Douro, matou-o, atirando-o depois ao rio como forma de apagar qualquer indício de prova contra si.
Ainda assim, sabendo que seria o suspeito número um, decidiu esconder-se numa pequena ilha no Rio Douro, isolando-se do mundo e sofrendo pela ausência do seu amor. Ali ficou, por muito e bom tempo. Apercebendo-se de que nunca alguém o tinha descoberto, começou a engendrar um plano de trazer a fidalga consigo e ali viverem os dois para sempre.
Assim foi, e, saindo da ilha pela primeira vez em muitos dias, encontrou a sua amada convencendo-a a regressar consigo para tal local inóspito e secreto onde nunca seriam encontrados. Tomaram um barco para seguirem em direção ao pequeno ilhéu. A viagem seria curta, mas o inesperado aconteceu: do nada, levantou-se uma grande tormenta, e o rio, formando um vórtice, engoliu a barca onde os dois amores se encontravam.
Contou-se, depois, que se tratou do espírito do jovem fidalgo assassinado pelo camponês, que veio à superfície vingar a sua morte.
Fonte: portugalnummapa