Dois padres jesuitas portugueses, em arriscada incursão ao Japão, como principal ponto de interrogação e reflexão de Martin Scorsese no seu mais recente filme, Silêncio, há pouco estreado nas nossas salas de cinema.
Pai, pai, porque me abandonaste? Terá sido a pergunta de Cristo no Gólgota. Não sabemos qual poderá ter sido a resposta, ou se houve resposta. Mas a pergunta poderia ter passado pala cabeças dos padres Sebastião Rodrigues e Francisco Garupe quando, numa viagem de risco total, vão ao Japão em busca do seu mentor espiritual (o Padre Cristóvão Ferreira). Sobre ele – após longos anos sem notícias – chegara um relato de que teria publicamente renunciado à fé católica, cometendo o respectivo pecado de apostasia.
Não acreditando em tal versão, conseguem autorização do Superior da Ordem e partem numa expedição de todos os perigos em busca da verdade dos factos. Nem os milhares de cristão mortos em sangrentas perseguições no Japão lograriam demovê-los do intento.
O filme, que conta a viagem, o destino dos padres e das comunidades com quem em segredo contactam, baseia-se no romance homónimo do católico japonês Shusaku Endo. Sempre sob o signo do silêncio de Deus perante o sofrimento dos crentes. Que pagam com a vida a disposição de não o renegar!
Não será o melhor filme de Scorsese. Não irá alcançar o êxito que outras obras suas conseguiram. Mas é importante pelo que mostra do conflito de padrões culturais e civilizacionais, acabando (talvez não fosse essa a intenção!) por questionar os fundamentos da chamada evangelização e propagação da fé católica.
Espelha uma relação com o outro marcada por um princípio de superioridade moral que quase poderia ter anulado os factores reflexivos. Salvos, no entanto, pela figura do Inquisidor-Mor e pela sua capacidade de assumir o espírito e o papel de contraponto.
Um filme rodado em condições extremas de humidade e temperatura, com um grande rigor de caracterização e guarda-roupa, uma excelente fotografia e uma belíssima interpretação de Andrew Garfield.