Bicho da cidade, só na casa dos 30 descobri os Vinhos de Talha. E fiquei a devê-lo àquele cidadão de Marvão com quem me cruzei lá no alto da vila muralhada.
Eram quase horas de almoço. Sempre gostei de dirigir, a quem encontrava nas terras por onde andava, a sacramental pergunta:
– Oh amigo, aqui onde é que vou almoçar?
A resposta veio pronta e sem questionamentos laterais:
– Você aqui está tramado. Vai gastar uma data de dinheiro e comer mal. Desça lá abaixo à Portagem e pergunte pelo “Milomes”.
Já na beira do Sever, descobri que Milomes era pronúncia abreviada e acento local de Mil Homens, apelido do dono… que acabou nome da casa de comedorias.
Quase tão desconfiado como o Jacinto do Eça de Queirós, entrei, sentei-me e fiquei receoso com o cenário à minha volta. Estive quase para sair. Mas, depois, veio a sopa de sarapatel e o ensopado.
O vinho não me deixaram escolher: era mesmo o da casa. De início estranhei, mas fui gostando dele à medida que ia bebericando. Era Vinho de Talha, disseram-me. Como manifestei curiosidade, no final levaram-me à adega para ver as talhas – uns imensos potes de barro – e explicarem como se fazia o vinho. Fiquei fã da comida, do restaurante e… do vinho! Em Niza aprendi as duas voltas do vinho na talha. E, em Redondo, o Presidente da Câmara levou-me à taberna que só encerrava três dias no ano: quando as talhas eram cheias e quando o vinho dava a volta. Triste fiquei na Adega do Isaías, em Estremoz, quando soube as talhas em risco – as autoridades sanitárias e/ou económicas não permitiam que refeições fossem servidas em sala onde vinho fermentava nas talhas. Em seco, o barro ia esboroando por dentro… Em Évora foi o deslumbramento quando, depois de um jantar no Aqueduto, me apresentaram umas talhas imensas – no espaço por baixo da sala refeiçoeira. Tão grandes que… não poderiam ter entrado pelas portas! Ou seja, tinham sido colocadas antes de ser fechada a parede da casa. Coisas de outros tempos! E aquele fim de festa na Vidigueira, a seguir à emissão do Feira Franca (Todas as semanas duas horas em directo para a Antena 1): Almoço com coral polifónico e coral tradicional juntos nas modas alentejanas. |
Muitas outras histórias haveria para contar a propósito destas artes de fazer vinho em ânforas de barro. Não digo mais nada. Passo a palavra a quem disso sabe bem mais do que eu.
Vejam estes vídeos:
(Para muitos, será uma verdadeira descoberta desvendar o segredo do vinho em talha!)
Mas se restarem ainda algumas dúvidas, acredito que as imagens e as explicações deste outro vídeo serão concludentes:
Segredos e artes, com mais de 2 mil anos de história, ameaçados. Não que faltem amantes fervorosos destes vinhos. Bem pelo contrário: A procura disparou e é este interesse que pode pôr em perigo tão antigo processo de vinificação.
Para dar resposta ao mercado e rentabilizar o produto, vão ter a tendência de massificar e industrializar a produção e não irão cumprir com todas as regras a que a tradição obriga.
O alerta de Manuel Luís Narra, então Presidente da Câmara Municipal da Vidigueira que integrava o grupo de autarcas que assumiu a iniciativa de candidatura do Vinho de Talha à declaração, pela UNESCO, de Património da Humanidade.
A massificação e a industrialização da produção vão deturpar e estragar o vinho de talha na sua essência, que é o saber fazer de forma artesanal, em talhas de barro e segundo determinadas técnicas.
A necessidade de salvaguardar as características únicas daqueles vinhos a justificar a decisão de avançar para a candidatura.
Podem contar com o apoio das nossas Páginas e Grupos na net. Motivando (os mais de 2 milhões que nos frequentam), em defesa da mais que justa distinção dos Vinhos de Talha.
Para que se não percam saberes, memórias e parcelas da nossa História Colectiva.
• Contem connosco! Vão-nos facultando elementos de divulgação e alerta.
Foi o que fizemos, por exemplo, em relação à candidatura do Fado ou do Cante Alentejano.