A Coca, o Bioco e o Capelo são três trajes de diferentes regiões, Alto Alentejo, Algarve e Ilha Terceira (Açores), no entanto, apesar da distância geográfica existem muitas semelhanças entre eles e uma história comum. Sabemos hoje que os etruscos e os gregos vestiam o himation, ou seja, o manto, com o qual cobriam a cabeça. Possivelmente imitavam um costume mais antigo.
O Cristianismo adoptou para a imagem da Virgem o uso do manto à moda etrusca, isto é, sobre a cabeça. São Paulo introduz o costume das mulheres cobrirem a cabeça para que se distingam das mulheres descobertas ou meretrizes. Entrar na igreja com a cabeça coberta era sinal de respeito, submissão e humildade perante Deus.
Por toda a Europa surgiram diversas peças de vestuário que cobriam por inteiro o seu utilizador(a), nomeadamente, em França, Alemanha, Dinamarca, Itália, Espanha e Portugal.
Não se sabe quando este tipo de indumentária foi introduzido em Portugal, no entanto, podem-se encontrar registos da sua utilização desde 1609, no reinado de Filipe II, e existem autores que defendem a sua origem árabe.
Sabe-se no entanto, que a sua utilização abrangia a quase totalidade do território nacional, mas apenas no Alto Alentejo, no Algarve e nos Açores, esses trajes eram ainda utilizados até meados do século XX.
A sua utilização destinava-se a impedir o contacto da mulher com os transeuntes que com ela se cursassem na rua, ocultando a sua identidade. Para além de isolar a mulher do mundo exterior, permitia-lha também alguma liberdade, já que não sendo identificável podia movimentar-se livremente oculta dos olhos castradores da moralidade alheia.
O que são a Coca, o Bioco e o Capelo?
Estes três trajes femininos possuem pequenas variações, ou particulares alterações regionais, no entanto, a sua forma elementar baseava-se numa mantilha, com ou sem véu, amplamente distribuída, de norte ao sul do país, e que teve a generalizada denominação de bioco (ou biuco no Sul e rebuço no Norte).
Genericamente compõe-se de uma capa, mais amplas e compridas nos Açores e Algarve que no Alentejo, em cuja cabeça era coberta de forma a impedir que se visse a cara da sua utilizadora. É a forma como a cabeça é coberta que distingue os três trajes.
Coca –Alto Alentejo
As cocas terão sido um traje de noiva na nossa região, na segunda metade do século XIX. A tradição oral também afirma que a dimensão e colocação do véu tinha três posições distintas, consoante a classe a que pertencia a nubente.
Mas, como traje de noiva acabou por cair rapidamente em desuso enquanto tal, passando a ser fundamentalmente moda nas mulheres aristocratas ou da alta burguesia de todas as idades, quando estas saíam à rua para assistir a actos religiosos ou nas visitas, tão habituais nestas classes sociais entre finais do século XIX e princípios do XX.
Usavam uns biocos, pegados a uma espécie de capa curta e que eram cobertos, no alto, por uma renda larga, que caía pelas costas. Na frente o bioco era armado em papelão, ou tarlatana, para se manter aberto. Em alguns, a renda era colocada, como já disse, caindo do alto da cabeça sobre as costas, outros porém, era posta em sentido contrário, isto é, sobre a cara. Completava o trajo uma saia de merino.
José Leite de Vasconcellos, observa que este seria o «trajo clássico de se ir à festa do Sacramento, que durava de quinta-feira do Corpo de Deus até à segunda-feira seguinte». O célebre investigador apresenta uma testemunha ocular que, entre os anos de 1862 e 1866, terá visto as mulheres assim embiocadas, e explica que este processo só era possível mediante a utilização de «um papelão curvo que encobria a cabeça, como as mantilhas de Mondim, coberto de preto e com pano nas costas».
O bioco (ou biuco) – Algarve
Raul Brandão escreve a propósito do biuco no seu livro “Os Pescadores”, em 1922: “Ainda há pouco tempo todas (as mulheres de Olhão) usavam cloques e bioco. O capote, muito amplo e atirado com elegância sobre a cabeça, tornava-as impenetráveis.
Trata-se de uma capa que cobre inteiramente quem a usava. A cabeça era oculta pelo próprio cabeção ou por um rebuço feito por qualquer xaile, lenço ou mantilha. As mulheres embiocadas pareciam “ursos com cabeça de elefante”
Oficialmente a sua extinção ocorreu em 1882 e por ordem de Júlio Lourenço Pinto, então Governador Civil do Algarve, foi proibido nas ruas e templos, embora continuasse a ser usado em Olhão até aos anos 30 do século XX em que foram vistos os últimos biocos.
O Capelo – Açores
À semelhança de outras regiões também a mulher açoriana usava agasalho capotes com capelo, diferindo o seu feitio de ilha para ilha.
Leite de Vasconcelos visitou os Açores no Verão de 1924 e testemunhou o uso de mantos e capotes pelas mulheres da ilha Terceira e do Faial. Com efeito até meados do século XX era frequente encontrar nos meios citadinos mulheres envoltas no seu capote preto e capelo armado. Convém distinguir o manto do capote, o primeiro é uma saia comprida e rodada de cor preta, o segundo, afigura-se como uma capa muito ampla, mais farta lateralmente que nas costas.
No caso da utilização do manto, o capelo era armado com cartão e atado pela cintura, a mulher segurava-o com as mãos de modo a encobrir o rosto. Com o capote, o capelo era utilizado sobre os ombros. Neste caso, estamos perante um amplo capuz suportado por um arco de osso de baleia, sendo a sua rigidez conferida pelo forro de cânhamo.