Caldo de Sabores e Memórias…
Gosto dos acasos, dos encontros de ocasião, das marés de conversa, do ir para aqui ou para ali conforme sopra o vento da vontade e do desejo. Por isso, frequentemente, dou comigo nos regressos em exercícios de leitura à posteriori para melhor aperceber coisas que fui observando e registando.
Portel – Imagem: Antunes Amor |
Embora me não negue a Passear Sabores, sempre gostei mais dos Sabores Passeados.
Que é como quem diz… fruídos e desfrutados nas paragens onde foram surgindo como resposta às necessidades de sustento de gentes que, em diálogo com os ecossistemas, encontraram/construíram formas originais de alimentação a partir dos produtos que tinham disponíveis ou a que podiam aceder.
Eu sei perfeitamente que aquele gaspacho com água da fonte que, no início dos anos 80 do século passado, comi em Torre de Coelheiros é – como tudo o que aliás lá vivi e senti – irrepetível nos dias de hoje e na Lisboa que habito… Porque nunca terei aquela água que o caldeava, nem as circunstâncias que o marcaram.
Portel – Imagem: Antunes Amor |
Por isso gosto de resguardar na memória os sabores que vou provando por aí. E que acabam datados, localizados, associados a rostos e passagens por terras e paisagens.
Ainda miúdo, recordo a confusão entre uma açorda quase enxuta que podia ser de couve ou de marisco e aquela a que o me pai, que era de Sines, chamava de alho. E que mais me pareciam umas sopas de pão com alho e coentros.
Já menino, em casa da tia-avó – um monte não muito longe da estrada que vai de Santiago do Cacém para o Cercal – fui desfazendo confusões com sopas de tomate (de fatia inteira de pão e chicharro afogado em caldo), habituei-me a reconhecer a hortelã, aprendi o porco de montado e a manteiga amarela.
Margens de Alqueva – Imagem: Antunes Amor |
Tive a dita de, só muito raramente, a descoberta dos sabores e outros prazeres da mesa ter resultado do risco calculado decorrente da denominação constante do cardápio de um qualquer restaurante. Quase sempre, ela derivou de sugestão avisada, curiosidade aguçada por cavaqueira amena ou intencional desafio.
Lembro uma jornada gastronómica no Rossio de São Brás em Évora. Batia-me eu com uma magnífica açorda de queijo, vendo como estava a gostar do dito cozido, perguntaram-me se alguma vez o tinha comido assado. Respondi que não… e logo ali o foram assar: Manjar de deuses!
Tons de Alqueva – Imagem: Antunes Amor |
Ou recordo a estranheza da primeira vez que provei a de cardos. Fiquei renitente: cardos? Seria eu alguma cabra para ir tosar mato?
Mas depois, quando – em vez de ásperos – os rebentos me surgiram macios e sedosos, o prazer foi indisfarçável e o sabor caminhou direitinho do palato para o meu álbum de memórias.
Faço quilómetros a caminho de uma aldeia de Mora para uma miga-gata de bacalhau, aprendi a reconhecer a hortelã da ribeira, a andar à procura dos espargos bravos, a fazer desvios só por causa de umas migas com carne de alguidar.
O gaspacho andaluz não me seduz, prefiro os do Alentejo, mesmo quando se chamam de capachinho ou vinagrada. E, ao rico, prefiro o pobre!
Para crescer água na boca, espreite as receitas recolhidas pela Câmara Municipal de Portel.
Açordas de Algibeira se chamava um livrinho que cabia no bolso…
Aqui em PDF para que o possa espreitar à vontade.
(Basta clicar na imagem!)
De experimentar, aprender e… Saborear!