![Vilarinho da Furna Vilarinho da Furna](https://i0.wp.com/descobrirportugal.pt/wp-content/uploads/2018/01/mig.jpg?resize=640%2C480&ssl=1)
Vilarinho da Furna foi uma aldeia comunitária situada no sopé da Serra Amarela, em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês. Não sei se “foi” é o tempo verbal mais adequado, uma vez que a aldeia ainda existe, embora escondida sob as águas do Rio Homem, que a engoliu em 1971, ao ser construída a barragem de Vilarinho das Furnas.
“No dia seguinte só havia silêncio”
João Rodrigues, antigo morador, aponta entre as árvores para o que resta do casario da antiga povoação. “Era aqui a famosa aldeia de Vilarinho da Furna”. Foi ali que nasceu, há mais de 60 anos, na povoação encravada entre as serras do Gerês e da Amarela. Para trás, na história da aldeia, estão 40 anos de submersão nas águas da barragem que lhe tomou o nome.
Desde 1971 que ninguém aqui mora, depois de preparado o caminho para a subida das água do rio Homem. Mas, em ocasiões como esta, os vilarinhenses aproveitam para regressar às origens.
Especialmente a 8 de Dezembro, dia da padroeira da aldeia, Nossa Senhora da Conceição. Ano após ano, os antigos moradores continuam a aproveitar a data para se encontrarem, lembrando as velhas festas no coração da aldeia. “Íamos de porta em porta chamar os convidados”, lembra João Rodrigues. A ementa era composta habitualmente por cabra com batata e arroz de miúdos. Para a sobremesa ficavam as rabanadas, feitas com pão espanhol, quando a fronteira se atravessava ilegalmente.
Os antigos moradores não perderam o contacto entre si, especialmente desde que, em 1985, criaram a associação A Furna, empenhada na preservação da aldeia comunitária. Hoje, para os que sobreviveram a quatro décadas, as memórias da vida na aldeia confundem-se com as do seu fim.
“Vem aí a presa.” A frase verbalizava o receio de desaparecimento da aldeia nos anos que antecederam o enchimento da albufeira. A “presa” começou a ser uma realidade cada vez mais próxima, até que, em 1971, foi preciso meter toda a aldeia em carrinhas e tirá-la dali. A diáspora de Vilarinho espalhou-se por vários concelhos do Norte e pela emigração, mas alguns moradores ficaram a viver ali perto, na povoação vizinha de S. João do Campo.
“Como fui viver para Campo, vi a barragem encher lentamente. A água não me chegou logo ao pescoço, foi-me afogando lentamente.”
Era lá que vivia José Maria Barreira. Filho de moradores de Vilarinho, lembra-se de ir à aldeia dos pais amiúde. “Tinha lá uma pequena e ia lá muito aos bailes de domingo”, recorda. Acompanhou a mudança dos vizinhos e lembra o primeiro amanhecer da aldeia-fantasma: “No dia seguinte só havia silêncio. Houve uma voz que se apagou.” Vilarinho da Furna estava logo do outro lado do rio. “Tinham rebanhos de cabras, tinham vacas e porcos, mas de repente deixámos de os ouvir. Era como se nos faltasse qualquer coisa”, ilustra José Maria.
As memórias de João Rodrigues são menos dramáticas. Diz ter “amolecido lentamente” a dor da perda das raízes. Explica: “Como fui viver para Campo, vi a barragem encher lentamente. A água não me chegou logo ao pescoço, foi-me afogando lentamente.”
in Publico, 2009
Vilarinho da Furna
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Vilarinho da Furna era uma pequena aldeia da freguesia de S. João do Campo, situada no estremo nordeste do concelho de Terras de Bouro. Segundo uma tradição oral teria começado a sua existência por ocasião da abertura da celebre estrada da “Geira“, que de Braga se dirigia a Astorga num percurso de 240 Km, e daqui a Roma.
Estaríamos, segundo a opinião mais provável, pelo ano de 75 D.C. Um grupo de sete trabalhadores, assim reza a tradição, resolveu fixar-se junto da atual Portela do Campo. Passado pouco tempo, por motivos de desentendimento, quatro desses homens deixaram os seus colegas e foram instalar-se a poucos metros da margem direita do rio Homem, dando assim inicio à povoação de Vilarinho da Furna.
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Em suma, tudo o que hoje se pode dizer sobre o nascimento de Vilarinho da Furna se resume num levantar de hipóteses. Todavia, no meio de toda esta incerteza, um facto se apresenta incontestável: se não a sua origem romana, pelo menos a sua romanização, os romanos chegaram, viveram, passaram e deixaram rasto.
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Atestam-no as duas vias calcetadas que davam acesso a povoação pelo lado Sul e, sobretudo, as três pontes de sólida arquitetura. Como a maior parte das aldeias serranas do Norte de Portugal, Vilarinho da Furna era constituída por um aglomerado de casas graníticas, alinhadas umas pelas outras, formando ruelas sinuosas.
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As casas de habitação compunham-se geralmente de dois pisos sobrepostos e independentes: uma loja térrea, destinada ao gado e guarda de alfaias e produtos agrícolas; e um primeiro andar para habitação propriamente dita, onde ficavam a cozinha e os quartos. O mobiliário era simples e modesto. Alguns objetos como louças, candeias, talheres, lanternas, etc., eram comprados nas feiras ou a vendedores ambulantes que passavam pela povoação mais ou menos regularmente.
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Outros eram de fabrico caseiro como as arcas, camas de madeira, raramente ornamentadas com motivos religiosos, as mesas e os bancos, além da quase totalidade dos artigos de vestuário. A iluminação noturna era feita com uma variedade de candeias e candeeiros de recipiente fechado, que funcionavam a petróleo, com gordura animal ou azeite, quando aquele escasseava por alturas da guerra.
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Todos os habitantes de Vilarinho da Furna, aí residentes, praticavam a religião católica, sendo motivo de forte critica por parte dos outros o eventual não comprimento dos deveres religiosos.
O povo de Vilarinho, além do acatamento das leis vigentes do seu País, tinha também as suas leis internas que eram respeitadas e escrupulosamente cumpridas. Para isso havia uma junta que era composta por um Zelador (antigamente Juiz) acompanhado por seis membros.
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Para esta assembleia dos seis podiam ser eleitos os chefes de família, tanto homens como mulheres, estas nessa qualidade, quando em estado de viuvez ou ausência do marido, devido à emigração. O sexo feminino podia eleger e assistir às reuniões da Junta, porém, nunca podia ser escolhido para o alto cargo de Zelador, pois a nomeação deste era feita de entre os homens casados, por ordem cronológica do consórcio. As eleições para a escolha dos Seis e substituição do Zelador eram realizadas de seis em seis meses.
Os Seis que cessavam as funções, transmitiriam aos sucessores, na presença do novo Zelador e do Zelador cessante, os assuntos pendentes e o dinheiro em cofre. Em tempos, o Zelador antes do início da reunião, jurava sobre os Santos Evengelhos e, no ato da sua posse, empunhava a vara das cinco chagas, jurando assim obediência a todos os vizinhos.
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A Junta reunia normalmente todas as quintas-feiras. Para isso o Zelador, ao raiar da aurora, tocava uma buzina (búzio) ou um corno de boi, chamando os componentes da Junta. Ao findar o terceiro toque, espaçadamente, dirigia-se para o largo de Vilarinho, levando uma caixa onde se encontravam as folhas da lei.
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Seguidamente, o Zelador procedia à chamada, aplicando aos faltosos uma “condena” de 50 centavos, a não ser que uma pessoa de família comparecesse justificando o motivo da ausência. Porém, aqueles que faltassem todo o dia sem apresentar qualquer justificação, eram condenados a pagar 5$00. A reunião da parte da tarde não se realizava no largo da aldeia, mas sim junto aos campos, na ponte romana sobre o rio Homem.
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Era nestas assembleias que se determinava os trabalhos a realizar e as “condenas” a aplicar. Depois de todos terem discutido os vários assuntos respeitantes à vida da aldeia, os seis reuniam-se para deliberarem, vencendo sempre a maioria e tendo o Zelador voto de qualidade.
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Os assuntos principais incidiam sobre a construção e reparação dos caminhos, muros e pontes de serventia comum, a organização pastoril (vezeiras e feirio), organização dos trabalhos agrícolas (malhadas, desfolhadas, vindimas, roçadas, etc.) e ainda, a distribuição das águas das regas, etc.
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As atribuições do Zelador eram tais, que poderia, em caso muito grave, expulsar o vizinho, isto é, marginalizá-lo totalmente da vida social e do sistema comunitário. Ele era também o Juiz de todos os crimes, com exceção para o homicídio por ser da competência dos tribunais.
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Havia um puro sentimento de solidariedade que envolvia este povo e a sua força de unidade traduzia-se no lema de todos por todos. Muito haveria a dizer do regime comunitário de Vilarinho, um povo que deixou a todos nós, uma história e um exemplo.
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O espectro da barragem começou a pairar sobre a população como um abutre esfaimado. A companhia construtora da barragem chegou, montou os seus arraiais e meteu mãos a obra.
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Esta surge progressiva e implacável. O êxodo do povo de Vilarinho pode localizar-se entre Setembro de 1969 e Outubro 1970, quando na aldeia foram afixados os editais a marcar o tapamento da barragem. De um ano dispuseram os habitantes de Vilarinho para fazer os seus planos, procurar novas terras e proceder a transferência dos seus móveis.
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As 57 famílias que habitavam esta povoação, estão agora dispersos pelas mais variadas terras dos concelhos de Braga. Da vida e recantos da aldeia comunitária não resta mais que um sonho. Sonho que é continuado no Museu Etnográfico de Vilarinho da Furna, construído com as próprias pedras da aldeia. A barragem de Vilarinho da Furna foi inaugurada em 21 de Maio de 1972.
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Depoimento de António Campos e excerto do filme Vilarinho das Furnas, de António Campos, 1971.
Fonte: Monumentos Desaparecidos