Há imagens que nunca nos abandonam:
Um sorriso de mãe, as cavalitas do pai, as manhãs de domingo no Jardim do Campo Grande, a ida de eléctrico à Baixa para o Circo de Natal no Coliseu, a Feira Popular (ainda em Palhavã? Sou mesmo velho!), a praia aos magotes de brincadeiras e miudagem em Santo Amaro de Oeiras…
E, claro, a Feira da Luz!
Do passado vêm marcas de uma feira nos arrabaldes de Lisboa…
Com toda a carga de ruralidade das hortas saloias.
• Vai uma fartura? Um boneco de barro? Um jogo de panelas? Ou ficam-se pelos carrosséis e pelos espectáculos?
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Nos finais dos anos 50, as Festas da Senhora da Luz eram a quase a única romaria que sobrevivia em Lisboa. Com o lúdico a sobrepor-se à procissão e aquelas barraquinhas que tinham de tudo… Dos tachos e panelas aos barros, rifas, facas e navalhas.
Havia quem lesse a sina, não faltavam os espectáculos de Robertos ou o cego que cantava crimes e escândalos da semana… Aproveitando para vender, em grandes folhas volantes, letras e imagens a propósito. Nessa altura ainda não tinha chegado o jornalismo alcoviteiro e alguém tinha de desempenhar esse papel!
Quase como os vendedores de banha de cobra com as suas poções milagrosas para as mais variadas maleitas – verdadeiros percursores de algumas rubricas dos programas televisivos de hoje em dia.
No recinto da feira, abundavam os mostruários de roupa de vestir ou de pôr na cama e sempre andaram por lá os comerciantes de ouro e bugigangas.
As barracas de comes e bebes podiam ser tentação para os mais velhos. Mas a miudagem só tinha olhos, desejos e birras para carrosséis e farturas!
Há cheiros que ficam para sempre gravados na memória. Como os do polvo, naqueles assadores feitos de bidões serrados alimentados a carvão. Não havia mesmo ida à feira que dispensasse tal pitéu.
Quase romaria de aldeia, o caminho para a Feira da Luz era feito a pé e em grupo. Tempos em que ainda não se tinha rasgado a 2ª Circular e o Bairro de Telheiras era coisa inimaginável.
A minha infância foi toda ali para as bandas do Campo Grande. Nessa época, a quase única forma de chegar ao Largo da Luz era (ladeando quintas, como a de São Vicente) pela velha Estrada de Telheiras… A pé.
Caminho longo para pernas de 4 ou 5 anos, feito entre magotes de gente a caminho da festa, num bruaá de ditos e, de quando em vez, com uma ou outra música à mistura.
O regresso era bem silencioso e penoso. Valiam, na altura, as tais cavalitas de pai…
É assim: dei comigo enleado em recordações e saudades numa destas tardes de visita à Feira da Luz. Não há como evitar… a memória, muitas vezes, supera a contemplação e a fruição.
E submerge-nos em rostos e gestos que amámos e nos fizeram.
Se calhar… é também por isso que não dispenso o retorno a esta feira de infância. Embora sabendo que fica sempre como pálida amostra de tudo o que subsiste nas minhas lembranças.
Mas também há coisas novas!