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“Poema à Mãe”, Eugénio de Andrade dito por ele próprio.

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Eugénio de Andrade

 

Eugénio de AndradeEugénio de AndradeEugénio de AndradeEugénio de AndradeNo mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe.

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha – queres ouvir-me? –
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda ouço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
No meio de um laranjal…

Mas – tu sabes – a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.

Eugénio de AndradeEugénio de Andrade

Do livro,
Os Amantes sem
Dinheiro (1950)

 

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