Se os rios correm para o mar…
O Guadiana atrasa passo em Alqueva, como se esperasse pelo Degebe.
Nas calmarias do Verão, lento e sereno, o fio de água em que se convertia o Guadiana. Quase raso, ali defronte do Castelo de Juromenha… com a margem de Olivença ao alcance de uma passagem a vau.
Mesmo com pouco caudal, o rio valia a contemplação. Mais que não fosse, para esquecer aquelas coisas fétidas que corriam a montante, por baixo das pontes de Badajoz.
Já em Portugal, vinham em seu socorro outras águas – bem mais cristalinas – com os que os rios do lado de cá lhe aumentavam o caudal e devolviam ares de curso líquido vivo. Que, em direcção à Foz, ia refrescando margens e recuperando o movimento de peixes.
Se é certo que no Pulo do Lobo quase desaparecia no Verão, chegado a Mértola convidava para todos os mergulhos. E, mais a baixo, voltava a ser navegável: Com aquele lago que une Alcoutim a Sanlúcar e a descida magnífica até Vila Real de Santo António.
Podem dizer à vontade que o peixe de rio tem muitas espinhas, mas sempre que pude não o deixei escapar. E mal o suspeitava no prato, era de devorar…
Cozido, grelhado, de caldeirada: Fosse como fosse! A Juromenha muitas vezes fui no encalço das carpas. E guardo memórias de convívio e sabor de caldeiradas lá para as bandas do Pomarão.
Dos braços de água que alimentam o grande rio do sul, foi sempre o Degebe que mais me atraiu para todas as contemplações e passeios.
Até à Amieira, em terras de Portel. No aconchego das margens, nas sombras das suas árvores, no voo dos seus pássaros.
Depois, o Guadiana fez-se lago. agigantou-se, cobriu montes, transbordou para onde (há uns anos!) ninguém suspeitaria. Perdeu alma de rio, para ganhar a imensidão de horizontes líquidos de grande Mar Interior. E há quem, nunca o tendo conhecido humilde, diligente e esforçado, só tenha olhos para a imensidão de água que Alqueva veio represar. Como se ela tivesse nascido ali… e não estivesse lá porque escorre margens abaixo em direcção à foz!
Da construção da barragem derivou uma impressionante mutação de paisagem. Que arrastou mudanças de cores, de sons e de cheiros. O Alentejo agora ribeirinho terá pouco a ver com o que era.
Até em termos climáticos! Porque aquela imensa massa de água – com incidências de evaporação, de conservação e transferências de calor – não deixa por mãos alheias a sua força e o seu poder.
Pelo meio, ficou o sacrifício da Aldeia da Luz, com o que dela resta repousando no fundo das águas. E uma aldeia nova, sem vida nem alma. Um dia destes… até sem gente para usufruir das tais infraestruturas criadas para acolher os habitantes da velha aldeia.
Estiolando aos poucos…
Apesar do que foi construído para celebrar memórias submersas. Quase sem quem queira conhecer e visitar.E já esquecida do corrupio de gente por ali excursionou nos anos que precederam o seu afogamento!
Se até (quem tinha obrigações nesta área) se esqueceu das promessas todas, solenemente comunicadas aos habitantes, em relação ao novo lugar para onde iriam ser transferidas as suas vidas…
Os castelos, que eram de defesa e vigilância às arremetidas dos de Castela, são agora varandas e torres de observação privilegiadas da paisagem que a água trouxe. Monsaraz sabe-o bem e as esplanadas sublinham-no. Mourão está a descobrir.
Restará perceber capacidades e imaginação para aproveitar aquela água toda. Que era para ser agricultura, acordou energia eléctrica e agora assume ares de aposta turística.
Nestes contextos e cenários, vêm ao de cima sinais de falta de diálogo entre gestores e usufrutuários das águas.
Não discutindo pressupostos de defesa da saúde de pública, tornam-se mesmo notórias as diferenças de postura entre o lado português e o lado espanhol do Grande Lago.
Veremos como é que um Turismo em expansão vai ditar regras…